Duas jovens mulheres conversam por uma vídeo chamada através do aplicativo zoom. O papo, erótico a principio, rapidamente toma contornos desagradáveis, e o que era um encontro romântico se transforma numa interação ameaçadora e extremamente violenta. Assim começa a tragicomédia “Hoje não é um bom dia”, um retrato ácido e humorado dos efeitos que a precariedade do capitalismo pandêmico exerce nas relações pessoais. Numa sequência de calls desesperadas, cada uma das nossas personagens – figuras típicas do nosso tempo: coachs, empreendedoras, terapeutas, traficantes e funcionárias – passam adiante suas batatas quentes e inseguranças, numa corrente de desacato e falta de empatia que nos leva enfim a questionar: o que pode quebrar esse ciclo vicioso?
Desenvolvido ao longo de seis meses na plataforma zoom, o espetáculo buscou se utilizar do método Meisner de treinamento de atores para criar uma linguagem entre o cinema e o teatro que permitisse se aproveitar dos limites e dificuldades do ambiente virtual ao seu favor. Usar as limitações que o isolamento social traz como mídia para expressar algo que é intrínseco a esse momento. Ao longo do período de criação, as atrizes, junto a diretora Priscila Lima e o dramaturgo João Maia, se encontraram regularmente para improvisar situações de chamadas de vídeo, que foram aos poucos se entrelaçando em uma narrativa integrada. O resultado é uma obra dinâmica, divertida e contemporânea que não se envergonha de sua condição limiar, fazendo dela sua força.
Fernanda Vizeu (Autor da publicação)